domingo, 4 de junho de 2017

Mundano, secular

Entre 1923 e 1929, Auerbach ocupou um cargo na Biblioteca Estatal Prussiana de Berlim. Foi então que reforçou a sua compreensão da vocação filológica e produziu duas obras capitais, uma tradução alemã de A ciência nova de Giambattista Vico e uma monografia seminal sobre Dante, intitulada Dante als Dichter der Irdischen Welt (quando o livro foi publicado em inglês em 1961 como Dante, Poet of the Secular World, a palavra crucial, "irdisch", ou mundano, foi traduzida por "secular", termo bem menos concreto). (Edward Said, Humanismo e crítica democrática, trad. Rosaura Eichenberg, Cia das Letras, 2007, p. 113-114).
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Uma primeira especificação do romanesco seria obtida se pudéssemos justificar a maneira pela qual, em contraste com o realismo, seus objetos internos, tais como a paisagem ou a vila, a floresta ou a mansão - meros locais de parada no itinerário da lenta carruagem ou do trem expresso da representação realista - são de certa forma transformados em recôncavos do espaço, em bolsões descontínuos de tempo homogêneo e de fechamento altamente simbólico, de modo a se tornarem análogos tangíveis ou veículos da percepção do mundo, em seu sentido fenomenológico mais amplo. A descrição de Heidegger vai além e nos fornece a chave para este enigma. Podemos nos valer de sua fórmula desajeitada para sugerir que o romanesco é precisamente aquela forma pela qual a mundanidade do mundo se revela ou manifesta, pela qual, em outras palavras, o mundo, em seu sentido técnico do horizonte transcendental de nossa experiência, torna-se visível no sentido do mundo interior. (Fredric Jameson, O inconsciente político, trad. Valter Siqueira, Ática, 1992, p. 112-113).
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Mais tarde as ideias de Hegel encontrariam solo fértil na Itália. Elas influenciaram particularmente o mais importante crítico italiano do século XIX, Francesco de Sanctis, cuja interpretação da Comédia supera de longe, em conhecimento do texto e compreensão dos detalhes, todos os românticos alemães - mas a quem a interpretação global de Hegel permaneceu alheia. A grande ideia de Schelling e Hegel sobre a Comédia como o mundo terreno [irdischen Welt] objetivamente vasculhado em seu íntimo, até onde sei, caiu então em esquecimento e só foi reanimada em épocas recentes. (Erich Auerbach, "A descoberta de Dante no Romantismo", Ensaios de literatura ocidental, trad. Samuel Titan Jr, Editora 34, 2007, p. 301-302).

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