segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Pizarnik, diários

Em 10 de agosto de 1969, na madrugada de um domingo, Alejandra Pizarnik anotou em seu diário que desejava prescindir deste tipo de anotações para que seus conflitos espirituais pudessem transmutar-se diretamente em obra, sem passar por nenhuma classe de registro. Também anotou que esse sonho que acabava de acariciar era, na verdade, impossível de cumprir, porque a asfixiava e a mareava "o espaço infinito de viver sem o limite de um 'diário'". Para limitar a contínua perda de si mesmo à qual o submetem suas outras doenças, o escritor de diários adquire a doença do diário. Anota o que lhe sucede e o que lhe ocorre para colocar-se a salvo das forças destrutivas que ameaçam expropriá-lo definitivamente de sua vida. Protege-se, preserva-se, mas preservando também, sempre ao seu redor, no espaço fechado de cada fragmento do diário, os fantasmas ou os demônios que não o deixam em paz. Perde diariamente a ocasião de experimentar a vida como um espaço de infinitas possibilidades, essa experiência à qual se entrega sem reservas enquanto escreve sua obra, por temor de deixar de ser o doente que já se tornou no dia em que decidiu, para sempre, escrever um diário.

(Alberto Giordano, "A doença do diário. Em torno dos Diários de John Cheever". A senha dos solitários: diários de escritores. Trad. Rafael Gutiérrez. Rio de Janeiro: Papéis Selvagens, 2016, p. 127). 

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