domingo, 26 de junho de 2016

O nome de Shakespeare

1) Ainda no capítulo nove do Ulisses de Joyce, o capítulo das teorias de Stephen Dedalus sobre a identidade de Shakespeare dentro da peça Hamlet (ele próprio, Stephen, um dos elementos principais da identidade do próprio Joyce dentro de seu romance), Stephen diz: He has hidden his own name, a fair name, William, in the plays, a super here, a clown there, as a painter of old Italy set his face in a dark corner of his canvas. A ideia, portanto, de que Shakespeare espalhou autorretratos seus em suas peças, como um pintor da "velha Itália" que bota seu rosto "num canto escuro de sua tela". Joyce, cindido em seu autorretrato entre Bloom e Dedalus, comenta Shakespeare em Hamlet, cindido entre o filho e o fantasma do pai.
2) A junção do nome com o autorretrato na citação de Joyce me fez pensar na mesma junção operando em Nach der Natur, o poema de Sebald, poema em três partes: a primeira sobre o pintor Matthias Grünewald (1470-1528), a segunda sobre o explorador Georg Wilhelm Steller (1709-1746), a terceira sobre o próprio Sebald. Sebald descobre Steller em uma nota de rodapé do romance de Konrad Bayer, A cabeça de Vitus Bering, e de imediato nota a coincidência das iniciais - Winfried Georg Sebald, WGS, GWS. Grünewald chama a atenção de Sebald - além do detalhismo cruel de seus painéis - por conta de sua insistência nos autorretratos - Grünewald coloca-se em suas pinturas, e muitas vezes de forma central, não apenas no "canto escuro" da tela.
3) Nos textos que escreve e nos textos que lê, Sebald está interessado no intervalo tenso e declarado entre o ponto de onde se parte e o ponto no qual se chega - não a "imaginação criadora", o romance com diálogos, a suspensão da descrença, mas o narrador com consciência de sua parcialidade, com consciência da visão comprometida de todo relato. Por isso seu interesse pelo Kafka que transita entre os relatos, as cartas, os diários; por Thomas Bernhard e sua relação ambivalente, de ódio/amor, com a pátria e seus compatriotas (sempre que Sebald, em entrevistas, fala sobre o nazismo, o extermínio e a guerra, ele fala daquilo que fizeram "meus compatriotas"). No poema, Sebald fala de Grünewald: Das Antlitz des unbekannten Grünewald taucht stets wieder auf in seinem Werk als das eines Zeugen, ou seja, o rosto desse artista desconhecido repetidamente surge como testemunha de algo que ele não viu diretamente, mas que tenta, a partir do relato, reapresentar, reconstruir.     

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