terça-feira, 26 de abril de 2016

Poloneses, 6

Virgilio Piñera


Em Formas breves, Ricardo Piglia apresenta um ensaio chamado "O romance polonês", originalmente uma conferência de 1986 em um evento sobre "o romance argentino". Piglia fala, naturalmente, de Gombrowicz, da tensão criada por Gombrowicz entre o espanhol, o polonês e o francês - a primeira uma língua que ele mal conhecia, a segunda uma espécie de língua pura, apartada, usada para a escrita, e a terceira funcionando como elemento condutor de uma à outra. "O Ferdydurke 'argentino' de Gombrowicz", escreve Piglia, "é um dos textos mais singulares de nossa literatura", feito "no andar de cima do café Rex da rua Corrientes, na Buenos Aires de meados dos anos 40", Gombrowicz passando o polonês para o espanhol, "um espanhol inesperado e quase onírico", que era corrigido e ampliado por Virgilio Piñera, "representante das letras da remota Cuba", e por outros frequentadores do café; "essa equipe não sabia polonês", diz Piglia, "e os debates eram muitas vezes traduzidos para o francês, língua a que Gombrowicz e Piñera recorriam quando o espanhol já não admitia novas torções".
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Ferdydurke, 1947

O objetivo de Piglia é mostrar que categorias como "romance argentino" ou "romance polonês" de pouco valem, são essencialismos vazios que não se sustentam diante do estudo detido de casos (como diria Edward Said sobre o "orientalismo"). O romance é uma "mescla verbal, uma matéria viva", e no caso do Ferdydurke argentino - uma "tradução ruim", escreve Piglia, "no sentido em que Borges se referia à língua de Cervantes", ou seja, o espanhol de Cervantes como um tradução ruim do inglês - essa "matéria viva" envolve uma "espanhol que é forçado quase até a ruptura, crispado e artificial", parecendo uma "língua futura". Trata-se, argumenta Piglia, de um cruzamento dos estilos de Roberto Arlt e Macedonio Fernández. "Arlt, Macedonio, Gombrowicz. O romance argentino se constrói nesses cruzamentos (mas também com outras intrigas). O romance argentino seria um romance polonês: quero dizer, um romance polonês traduzido para um espanhol futuro, num café de Buenos Aires, por um bando de conspiradores liderados por um conde apócrifo. Toda verdadeira tradição é clandestina, se constrói retrospectivamente e assume a forma de um complô" (Piglia, Formas breves, Trad. José Mariani de Macedo, Cia das Letras, 2004, p. 63-69).
  

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