segunda-feira, 27 de julho de 2015

Aedos

Homero não era um rapsodo, era um aedo. Essa palavra, que vem do grego aoidós, significa "cantor". Os poemas homéricos eram compostos e cantados por aedos que se acompanhavam com um pequeno instrumento de cordas, a phórminx. (Pierre Vidal-Naquet, O mundo de Homero, trad. Jônatas Batista Neto, Cia das Letras, 2002, p. 14-15).

segunda-feira, 6 de julho de 2015

O mendigo de Adorno

Em um dos fragmentos de Minima Moralia (128, "Regressões"), Adorno relembra uma canção de ninar que escutava quando criança, identificando nela certa "frieza burguesa", por conta da "satisfação por ter sido expelido o intruso". Parte da canção fala do cachorro que rasga a roupa de um mendigo, que então foge, o que permite que a criança durma tranquila. O mendigo, na versão ilustrada do livro, recordada por Adorno, parece um judeu. Em seguida, Adorno recorda um fragmento de Walter Benjamin: "enquanto ainda houver um mendigo, ainda há mito; só com o desaparecimento do último mendigo o mito seria reconciliado". Surge então, abruptamente, a "luz messiânica" crítica que Adorno declara como método, pois o mendigo passa de intruso a ser expelido a utopia a ser aguardada, o último mendigo guardando a "esperança de que seja apagado o último traço de perseguição" - a última frase do fragmento é a transformação que Adorno realiza de um dos versos da canção de ninar: "Fica tranquilo, o mendigo já vem" (como é típico dos fragmentos de Minima Moralia, os contrários se tocam, transitando em uma tensa área comum - o mendigo é tanto o indivíduo real, histórico, quanto o símbolo de um evento que só pode alcançar sua força no momento de sua extinção. Esse dilema está posto, rigorosamente nos mesmos termos (o contato tenso entre matéria e símbolo, revolução e mito), por Joseph Roth em A lenda do santo beberrão).
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Ainda que Adorno não declare, toda a passagem sobre o mendigo é também um resgate de Homero, do mesmo Ulisses que Adorno tanto comenta, especialmente na Dialética do esclarecimento. Ou seja, Ulisses metamorfoseado em mendigo na Odisseia, um de seus muitos ardis, esse com o intuito de entrar às escondidas em Ítaca e enganar os pretendentes de Penélope. É ela quem diz, no Canto XVII, "Mendigo tímido é mau mendigo". 

domingo, 5 de julho de 2015

Coruja de Minerva

Qual Hegel é nosso ponto de referência? Tanto Lukács quanto os teóricos da lógica do capital não se referem à leitura (errada) "subjetivista-idealista" de Hegel, à imagem de Hegel como o "idealista absoluto" que afirmou que o Espírito é o verdadeiro agente da história, sua substância-sujeito? Nesse contexto, o capital pode parecer de fato uma nova encarnação do Espírito hegeliano, um monstro abstrato que se move e se medeia, parasitando a atividade de indivíduos que existem realmente. É por isso que Lukács também é idealista demais ao propor simplesmente substituir o Espírito hegeliano pelo proletariado como objeto-sujeito da história: aqui, Lukács não é hegeliano, mas um idealista pré-hegeliano. 

Ficamos tentados a falar da "inversão idealista de Hegel" em Marx: ao contrário de Hegel, que sabia muito bem que a coruja de Minerva só levanta voo no crepúsculo, depois do fato, isto é, que o pensamento segue o ser (e é por isso que, para Hegel, não pode haver noção científica do futuro da sociedade), Marx reafirma a primazia do pensamento: a coruja de Minerva (a filosofia contemplativa alemã) deveria ser substituída pelo cacarejar do galo gaulês (o pensamento revolucionário francês), que anuncia a revolução proletária; no ato revolucionário proletário, o pensamento precederá o ser. Portanto, Marx vê no tema da coruja de Minerva um indício do positivismo secreto da especulação idealista de Hegel. Este deixa a realidade como é. 

(Slavoj Zizek, Vivendo no fim dos tempos. Trad. Maria Beatriz de Medina. Boitempo, 2012, p. 183)