domingo, 19 de abril de 2015

Sobre Said

    
      Em retrospecto, qual é sua avaliação de Said?

     Acho que é fundamental reconhecer que Said não era primariamente um teórico. Pode-se dizer que ele era mais importante do que isso. Na verdade, ele acabou se tornando bastante hostil à assim chamada "teoria". Sua trajetória foi mesmo de Auerbach a Foucault e de volta a Auerbach. A teoria é em parte, mas só em parte, o problema para o qual ela mesma oferece uma solução, como Karl Kraus observou sobre a psicanálise. Said era, em termos intelectuais, um humanista à moda antiga que foi forçado pelas exigências da sua história pessoal a participar de tipos de trabalho intelectual que contestavam a tradição na qual ele foi criado. Talvez ele tenha desejado apenas escutar óperas, em vez de escrever sobre a Palestina. Seu objetivo, como o de qualquer radical, era chegar a uma situação política em que escrever sobre a opressão não seria mais necessário porque a opressão teria sido superada. Então poderíamos todos apreciar Schumann e escrever sobre a imagística das cores nas primeiras obras de D. H. Lawrence. Quando pudermos fazer isso de sã consciência, isso será um sinal de que fomos bem-sucedidos. Quanto mais rápido pudermos prescindir da política radical, melhor. Cuidado com qualquer radical político que não tenha entendido esse simples fato. Mas a política radical é como a classe social ou o estado nacional: para nos livrarmos deles, é preciso primeiro tê-los. E não podemos renunciá-los prematuramente. 
     A cautela com a teoria torna a obra de Said muito mais interessante do que a de um teórico que tenha sido, por assim dizer, nascido e criado na profissão - os novos historicistas, por exemplo. Isso significa que ele atacou a cultura ocidental a partir de um ponto de vista que estava imerso naquela cultura, que tinha uma profunda afeição por ela, e esse tipo de crítica é sempre mais difícil para os poderes vigentes repelirem do que uma crítica meramente externa. Ele não tinha paciência alguma com o que poderíamos chamar de teoricismo. Dada sua urgente situação política, isso simplesmente não teria sido possível para ele. Assim, em certo sentido, agrupar Said com, por exemplo, Roland Barthes ou Harold Bloom, ou até mesmo com Fredric Jameson, seria cometer um erro de categoria. Se no início ele tinha interesse em Foucault, isso ocorreu em parte porque Foucault era um ativista político como ele, que via as ideias de forma pragmática em vez de abstrata. 

Terry Eagleton e Matthew Beaumont. A tarefa do crítico: diálogos com Terry Eagleton. Tradução de Matheus Corrêa. São Paulo: Editora UNESP, 2010, p. 177-178.

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