domingo, 29 de junho de 2014

Tolstói, Wittgenstein (via Markson)

1) As melhores partes de O caminho de Ida são os comentários a outros livros e autores: tudo começa com Emilio Renzi comentando W. H. Hudson, escritor inglês nascido na Argentina; quando vai para os Estados Unidos dar aula, Renzi passa diante da casa de Hermann Broch (e depois no hospital onde ele morreu); com o aparecimento de Ida, surge também Joseph Conrad, cujo romance O agente secreto é a principal referência para o romance de Piglia; mas há também uma menção bem explícita a Paul de Man ("era legendário o confronto de Ida com Paul de Man, quando ela fazia sua pós-graduação em Berkeley", p. 116) e, claro, toda a articulação da ostranenie a partir de Chklóvski e Tolstói e, finalmente, Wittgenstein.
2) A articulação feita por Piglia entre Tolstói e Wittgenstein imediatamente me fez pensar em David Markson; mas há um procedimento anunciado por Piglia em O caminho de Ida que torna a aproximação com Markson ainda mais íntima. Como comentei antes, Renzi encontra o exemplar de O agente secreto de Ida e percorre suas anotações e sublinhados - essa interferência de Ida sobre o texto de Conrad reescreve esse mesmo texto, pois os fragmentos selecionados são reposicionados a partir dessa leitura ativa. É isso que Renzi faz no romance, ele lê Conrad a partir da interferência de Ida no corpo do texto e encontra outro texto, outra história (esse é também o procedimento de Markson, montar um relato secreto a partir da interferência em uma série de textos alheios). Em Piglia e Markson, é sempre um leitor que resolve o enigma.
3) O contato de Markson com Wittgenstein é mais do que evidente (Wittgenstein's Mistress, de 1988, é só o começo), mas aqui podemos ver/ler a explicação para a imagem acima - trata-se do exemplar que Markson possuía de uma biografia de Tolstói. Entre os muitos sublinhados, está esse que diz respeito ao contato de Tolstói com Tchékhov, no qual o segundo elogia o primeiro de forma bastante wittgensteiniana, se isso é possível: "não se pode confundir resolver um problema com apresentar um problema de forma correta", escreve Tchékhov, e continua: "só a segunda atividade é obrigatória ao artista; Anna Kariênina não resolve nenhum problema, mas nos satisfaz completamente porque todos os seus problemas estão corretamente apresentados".

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