sexta-feira, 28 de junho de 2013

Humanismo e comentário

1) O texto de Auerbach sobre Vico, no qual ele rapidamente estabelece uma filologia dos comentários envolvendo Vico, Herder e "o culto a Ossian", é de 1949 (Journal of Aesthetics and Art Criticism, vol. 8, n. 2). Três anos antes, em 1946, Martin Heidegger arma sua Carta sobre o humanismo sobre um comentário feito a partir de um questionamento de Jean Beaufret - o questionamento de Beaufret, admirador e divulgador da obra de Heidegger na França, era o seguinte: como devolver sentido à palavra 'humanismo'?
2) O comentário de Heidegger ao questionamento é por si só um questionamento das premissas utilizadas - qual a razão de sequer imaginar a necessidade de manutenção do humanismo, ou da palavra humanismo? "Eu me pergunto se isso é necessário", escreve Heidegger, "já não é suficientemente óbvio o desastre que todos os títulos desse tipo preparam?" Beaufret não apenas pressupõe que a palavra humanismo deve ser mantida, aponta Heidegger, como admite sub-repticiamente que "a palavra perdeu seu sentido". Segundo Peter Sloterdijk, em Regras para o parque humano, a "retificação da pergunta de Beaufret", empreendida por Heidegger em sua carta, "não está desprovida de uma malícia magistral, porque, à maneira socrática, ela defronta o estudante com a falsa resposta contida na questão".
3) Para que exaltar novamente o ser humano e seu autorretrato filosófico padrão como solução no humanismo, se a catástrofe do presente acaba de mostrar que o problema é o próprio ser humano, com seus sistemas metafísicos de auto-elevação e auto-explicação? Querido Beaufret, parece dizer Heidegger, é preciso começar do zero, ou talvez abandonar todo desejo de começar. Dois anos antes, Adorno e Horkheimer, na Dialética do esclarecimento, já indicavam o fim totalitário do projeto intelectual europeu. Nas palavras de Sloterdijk: "o humanismo se oferece como cúmplice natural de todos os possíveis horrores que podem ser cometidos em nome do bem humano. (...) Na visão de Heidegger, o fascismo foi a síntese do humanismo e do bestialismo; isto é, a paradoxal confluência de inibição e desinibição" (Regras para o parque humano, tradução de José Oscar Marques, Estação Liberdade, p. 31).   
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Lembrar também que Roland Barthes, em 7 de janeiro de 1977, em sua primeira fala no Collège de France, naquela que ficou conhecida como a Aula, Barthes diz que a língua não é nem reacionária nem progressista, "a língua como performance de toda a linguagem não é nem reacionária nem progressista", a língua é pura e simplesmente fascista, "porque o fascismo não consiste em impedir de dizer, mas em obrigar a dizer". 

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