segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

O joalheiro de Leskov, 3

1) "No verão de 1884", escreve Leskov no início da quarta seção do conto "Alexandrita", "tive ocasião de visitar as terras tchecas". As linhas restantes são ocupadas na exaltação das pedras preciosas da região. Antes da viagem, continua Leskov na seção seguinte, "recebi de um amigo a incumbência de trazer-lhe da Boêmia as duas melhores granadas que fosse possível encontrar". Uma delas, a mais valiosa, havia sido danificada por uma manipulação grosseira. "O tcheco que me orientava no negócio", escreve Leskov, "aconselhara-me a submetê-la a uma segunda lapidação por um famoso lapidador local, de nome Wenzel".
2) Wenzel é um artista, não um artesão - um místico, um cabalista, um poeta inspirado e um "grande supersticioso"; "homem originalíssimo", que sente nas pedras "o reflexo da vida misteriosa dos espíritos das montanhas", um homem inspirado. O velho Wenzel é judeu e mora em Praga, na Cidade Velha, em um beco próximo da sinagoga Staronová (construída no século XIII). "De coluna curvada, mantinha a cabeça erguida e olhava como um rei", escreve Leskov, "um ator que observasse Wenzel poderia usá-lo para se caracterizar magnificamente de rei Lear" (relembrando a intensa releitura que Leskov faz de Shakespeare, pelo menos desde a novela Lady Macbeth do distrito de Mtzensk, de 1865).   
3) Já não se trata mais do anel com a alexandrita, que foi esquecido - o que importa agora é o velho Wenzel e sua capacidade de reconhecer a qualidade da nova pedra (a granada tcheca que Leskov comprou para seu amigo). "Já nos conhecemos há muito tempo", fala o velho quando Leskov mostra a pedra, "eu o vi ainda em sua terra natal, nos campos secos de Merunice". De repente, a trajetória da pedra se transforma em uma analogia para a resistência dos tchecos diante dos alemães (e todos os bárbaros ao longo da história): "ele não se deixa triturar no pilão do suábio! Os piropos têm sangue de guerreiro... Fingiu, como o tcheco sob os suábios, entregou a própria cabeça, mas escondeu o seu fogo no coração: eis aqui o fogo denso e inextinguível da montanha tcheca...".

Nenhum comentário:

Postar um comentário