segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Uma ciência das ruínas

1) A eloquência das imagens - essa capacidade de atravessar os tempos, esgarçar o tecido do presente, como um relâmpago (palavras de Walter Benjamin), forçando a fundação desse museu imaginário, feito de afetos, que não conhece fronteiras disciplinares ou categorias fixas (palavras de André Malraux). A força, por exemplo, desse atlas da Segunda Guerra Mundial organizado pela revista The Atlantic.
2) A libertação soviética - a massa vermelha que vem do Leste, esse phármakon tão complexo e indigesto, esse remédio que vai pouco a pouco envenenando os homens e a história, falsificando os relatos, revisando e reescrevendo os fatos (tudo que fez para a obra de Milan Kundera, George Orwell ou Herta Müller). A bandeira russa sobre Berlim destruída: encenação, teatro e moeda falsa - a farsa que se alimenta da tragédia que volta a se alimentar da farsa (André Gide, Os moedeiros falsos, ou a própria vida de Isaac Babel).
3) Dresden destruída - a imagem ambivalente de Benjamin, Warburg e Didi-Huberman: libertação e morte; justiça e barbárie. Como o titã Atlas, que sofre com o mundo nas costas e retira daí seu conhecimento sem limites, único, exclusivo. A placidez da destruição é posta em movimento por Gert Ledig, que impiedosamente condensa toda a ação da guerra em uma hora, numa aproximação microscópica das trincheiras - é por isso que Sebald cita Ledig em Guerra aérea e literatura (porque compartilham o procedimento). 
4) E o viver-junto da guerra? Barthes passou os anos da guerra dentro de um sanatório para tuberculosos - e Thomas Mann, autor da Montanha mágica, tão importante para a teorização barthesiana do viver-junto, sempre esteve distante das trincheiras. É o viver-junto da expectativa, da insegurança, da impossibilidade de saber onde exatamente está o perigo e em que momento ele surgirá - o apelo dramático da imagem do esconderijo no totalitarismo, como mostra Andrei Makine.
5) Há um viver-junto que emerge das entranhas da guerra, dos campos, impossível de observar diretamente - a Górgona de Primo Levi, Imre Kertész, Ruth Klüger ou Jean Améry. Ou o sórdido viver-junto dos colaboracionistas em fuga - Céline, De castelo em castelo. Ou o viver-junto ambivalente e atormentado de Ernst Jünger, homem de letras e homem de armas (como Carlos Wieder e Benno von Archimboldi).           

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