sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O vazio do apátrida

Interior da Romênia, 1906
1) Herta Müller escreveu um texto sobre a morte de Cioran: "Quando meu corpo me deixa na mão", incluído na coletânea Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio. Cioran morreu em 1995. Segundo Herta, Cioran transformou a "competência de viver em arte do fracasso". Fez isso por ser romeno, escreve Herta, porque abandonou sua terra natal e nunca mais voltou - e, ainda assim, resistiu, viveu sempre em suspensão, nem lá nem cá, no vazio do apátrida. "Ele confinou a língua romena na cabeça e proibiu-a de sair", escreve Herta.
2) "Só posso fracassar, distante dessa terra que me faz continuamente fracassar", escreve Herta sobre Cioran. Uma nostalgia que envenena, que revolta, uma convulsão do pertencimento - Kundera, Beckett, Nabokov. "Cioran se afastou do país como nenhum outro", escreve Herta - que menciona também "um erro político de juventude", a simpatia de Cioran pelo fascismo romeno (que ficou para trás em 1937, quando foi para Paris, que não ficou nunca mais para trás).
3) Herta escreve que Cioran levou para Paris, dentro de si, "a vida indefesa numa região sempre de tocaia, de superstição impiedosa e impenetrável folclore poético". Cioran é uma elipse que gravita em torno de dois focos: o folclore poético e a ordem cartesiana da cidade, focos que se invadem, se mesclam em medidas variadas, numa permutação constante. 

Herta Müller. "Quando meu corpo me deixa na mão"
Sempre a mesma neve e sempre o mesmo tio.
Tradução de Claudia Abeling. Globo, 2012, p. 210-213.

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