sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O rosto de Bartleby

1) Referir-se a Joseph Cornell como "caçador de imagens" talvez não seja o mais adequado - de qualquer forma, Simic não usa essa fórmula em seu livro, trata-se apenas de uma escolha de tradução um pouco deslocada. O que Simic deixa bastante claro em seu texto sobre Cornell é que o artista não buscava deliberadamente as imagens, os objetos, os materiais - ele simplesmente os encontrava pelo caminho. Cada caixa de Cornell tomava anos para se realizar completamente: ele coletava pouco a pouco seus elementos, sem saber, até o momento da montagem, qual a ordem das sobreposições e das colagens.
2) Eis como Cornell descrevia o conteúdo de seus arquivos (mais ou menos 150 caixas de papelão que ele mantinha em casa): um laboratório-diário de bordo-depósito, galeria de arte, museu, santuário, observatório, uma chave... O coração de um labirinto, um quarto para os sonhos e as visões... A infância reconquistada (Simic consultou as cartas pessoais de Cornell, que hoje estão depositadas no Archives of American Art-Smithsonian Institution, em Nova York). De modo que, a partir disso, é possível imaginar a quantidade de material que simplesmente não encontrou espaço na confecção das caixas de Cornell - as poucas caixas que Cornell completou.
3) "Tinha a expressão que imagino ser a do rosto do Bartleby de Melville", escreve Simic sobre Cornell. "Sua expressão no dia em que decide interromper o trabalho para olhar somente para o muro do outro lado da janela do escritório". Simic não vai além em seu anúncio de uma possível metempsicose entre Bartleby e Cornell. Só afirma que "existem homens assim em todas as grandes cidades", vagando solitários pelas ruas, envolvidos em seus longos capotes fora de moda - tantos deles personagens de algumas das melhores fotos de André Kertész (outro andarilho de Nova York).

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