domingo, 7 de agosto de 2011

Sobre a lei e o crime

Emilio Renzi relembra uma conversa com seu editor em Blanco nocturno:
"Quem não gostaria de ser comissário?", dissera-lhe uma noite o velho Luna. "Não seja ingênuo, menino. Eles são os verdadeiros fodões [los verdaderos tipos pesados]. Estão com mais de quarenta anos, já engordaram, já viram de tudo, têm várias mortes nas costas. Homens muito vividos, com muita autoridade, que circulam o tempo todo entre delinquentes e personalidades políticas, sempre à noite, em bailecos e bares [en piringundines y bares], conseguindo toda a droga que quiserem e ganhando dinheiro fácil porque todos esquentam a mão deles [todos los adornan]: os passadores de jogo, os comerciantes, os mafiosos, gente comum. Eles são nossos novos heróis, meu querido. Andam sempre armados [van siempre calzados], entram e saem, formam bandos, derrubam todas as portas. São os especialistas do mal, os encarregados de garantir que os idiotas durmam tranquilos, fazem o trabalho sujo das almas imaculadas. Transitam entre a lei e o crime, voam a meia altura. Meio a meio, se alterassem a dose não conseguiriam sobreviver. São os guardiães da segurança e a sociedade lhes delega a função de tomar conta do que ninguém quer ver", lhe dizia Luna naquela noite, jantando no El Pupito enquanto o instruía, uma vez mais, sobre a vida verdadeira.

Ricardo Piglia. Alvo noturno.
Tradução de Heloisa Jahn.
Companhia das Letras, 2011, p. 119-120.

PS
: Já fiz uma primeira aproximação a Blanco nocturno, antes da tradução, aqui.

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