quinta-feira, 11 de agosto de 2011

O crítico como criminoso

1) Na nota introdutória de Poética da prosa, Tzvetan Todorov informa que optou por não mexer em seus textos antigos, que formam a coletânea. Uma correção profunda teria acarretado o desaparecimento do livro, escreve ele, uma vez que seus textos são sempre versões de suas obsessões recorrentes. E Todorov completa: não exploramos temas novos; sempre voltamos, como o assassino ao local do crime, às marcas já deixadas. O crítico, portanto, aparece como uma versão do assassino, uma versão daquele que retorna continuamente ao local traumático do crime. Seria possível medir a qualidade do crítico a partir de seu grau de consciência acerca dessa cena traumática e, mais além, como ela aparece, transfigurada, em seu trabalho.
2) Estamos novamente atravessando um campo no qual Piglia já deixou alguns de seus rastros. Há uma cena traumática na emergência de toda escritura, e essa cena pode se repetir ao longo de toda uma vida. Em Prisão perpétua, ao narrar a emergência de sua escritura, Piglia afirma que tudo começou com seu Diário: perdido em Mar del Prata, uma cidade que ainda não conhecia, Piglia decide narrar o vazio de seus dias - estou convencido de que se eu não tivesse começado a escrevê-lo naquela tarde jamais teria escrito outra coisa. Publiquei três ou quatro livros e publicarei talvez mais alguns só para justificar essa escritura. Por isso falar de mim é falar desse Diário. Tudo o que sou está aí mas não há mais que palavras. Mudanças na minha letra manuscrita.
3) Para Todorov, a cena traumática inaugural talvez seja o contato com os Formalistas. Os procedimentos de Chklovski e sua turma estão em todos os textos de Poética da prosa (que Todorov escreveu entre os 25 e os 30 anos de idade), o que, além de indicar uma movimentação teórica, indica também uma convivência tensa entre dois mundos, entre duas tradições, que entram em conflito na prática de um único crítico (Todorov nasceu na Bulgária e gosta de citar os textos em russo que ninguém tem acesso). Em seu ensaio sobre o gênero policial ("Tipologia do romance policial"), Todorov afirma que, ao contrário da literatura de massa - que opera a partir de fórmulas prontas, que garantem, justamente, o sucesso e a repercussão -, a obra-prima funda seu próprio gênero: o artista inovador constrói sua obra no local do crime, ali onde assassinou a tradição e a convenção, retornando continuamente à cena traumática e coletando os resíduos que ressignificará em sua obra futura.

5 comentários:

  1. Mesmo? O que vc identificou de Bloom aí no meio? Gostei, fiquei curioso. Diga lá, por favor.

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  2. Cara;

    Deixei o que tinha pensado no Barrudada em Boa Vista. Vou ligar pra lá e pedir pra enviarem, mas tem aí, sim.

    (trauma é foda)

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  3. Bloom é um admirador de Vico tão profundo que nunca teve coragem de dissertar algo frontalmente - ao menos pelo que sei. Tudo que vi foi uma menção honrosa em "Cabala e Crítica", afora os elogios costumeiros. Nos elogios que promoveu, nada nunca apareceu que pudesse justificar a relação que sugeri. Ainda bem que li A Ciência Nova.

    Fiquei pensando em como eu poderia ter errado ao sugerir o nome do cabalista para discutir o retorno ao local do crime. Não tem nada de angústia, poesia ou repressão aí, fora o próprio criminoso. Ao menos, não à maneira de Bloom. Quando penso em desistir, leio:

    "(...)a obra-prima funda seu próprio gênero: o artista inovador constrói sua obra no local do crime, ali onde assassinou a tradição e a convenção, retornando continuamente à cena traumática e coletando os resíduos que ressignificará em sua obra futura."

    É assim que Bloom define o gênio, especialmente o de Shakespeare: pelo parricídio que, por esta mesma via, faz do assassino um herói cultural, pai de si-mesmo e inaugurador de uma linhagem, de uma nação, de um modo de vida. É este o papel do herói em Vico, e este o horizonte maior da influência: tornar-se uma, ainda que de si-mesmo.

    Põe o Bloom aí, de marcador!

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