terça-feira, 31 de agosto de 2010

Saer e Magris, 7

Por mais que Magris e Saer insistam no caráter fantasmático da fronteira, no caráter irredutivelmente ficcional da fronteira, mostrando que a geografia é fluida, eles também insistem que esse espaço, e a ideia de unificação que frequentemente solicita esse espaço, são sinônimos de conflito. Assim como em Gonçalo Tavares, que apresenta uma Europa sem a menção específica a países em suas ficções, a fluidez do rio é também um recurso para evidenciar a face perniciosa da indistinção, a torção dialética do pertencimento. Para que haja guerra, basta dois sujeitos num mesmo espaço.

Saer e Magris, 6

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1) A viagem de Saer começa de cima, do alto, do céu. É do voo que ele vê o traço do rio da Prata. A supressão vertiginosa do tempo e do espaço, que o voo do avião oferece, é o gatilho para a reflexão de Saer: a ilusão de apreender todos os pontos de vista é a utopia que a escritura não cansa de remoer, de buscar e renunciar, simultaneamente. Literatura é isso aí: uma palavra atrás da outra, inúmeros escritores já disseram coisas semelhantes.
2) Esse é o mote de Quando a sombra descola do chão, de Daniele Del Giudice - que é o desenvolvimento de uma reflexão de seu livro anterior, O estádio de Wimbledon, sobre a busca de Del Giudice por Bobi Bazlen (e que Vila-Matas menciona em Bartleby e companhia). Don DeLillo toca o mesmo ponto, a correlação entre temporalidade ficcional e viagem de avião, no início de Os nomes: nada é retido por nós a não ser a fumaça em nossos cabelos e roupas. É tempo morto. Nunca aconteceu até tornar a acontecer. Então, nunca aconteceu.
3) De certa forma, Saer nunca sai do ar, do céu, e sua reflexão sobre o rio segue esse fluxo errático, aleatório, indo e vindo no tempo e no espaço. Não há uma ancoragem precisa na geografia. Magris, por outro lado, viaja de carro, acompanhado por pessoas que raramente aparecem. Alguns nomes próprios (Gigi, Bianca, vovó Anka) funcionam como companhias. Carros, ônibus, barcas, seguindo a descida do Danúbio, da Floresta Negra até o ponto onde a Bulgária se confunde com a Turquia.
4) Magris é mais como a escritura, uma palavra atrás da outra, assim como uma cidade está depois da outra. Saer está mais para a utopia, para a vertigem do voo. Magris está sempre acompanhado, escutando histórias, contando outras tantas. Há sempre uma informação a corrigir. Há sempre Magris, seus acompanhantes, um guia qualquer, um velho conhecido que está pela cidade, um livro de 1744 que fala sobre aquela cidade e um livro mais recente que tudo desmente. Saer está sozinho. Na pampa todos estão sozinhos. O fluxo do Danúbio de Magris é uma cacofonia, um amontoado de vozes, uma reunião de condomínio com mortos e vivos. O rio da Prata de Saer é um sussurro, um farfalhar - um tímpano rompido que oferece um zumbido constante.
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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Saer e Magris, 5

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1) Em Saer, a relação do caminhante com a geografia e o rio é também fundamental. Ao passo que para Magris a errância aparece como um elemento cultural positivo, e determinante para muitos escritores (Joseph Roth, por exemplo), principalmente quando Magris encontra, no museu de uma minúscula cidade, uma representação dos sapatos do Judeu Errante, Saer, ao contrário, sublinha a relação do gaúcho e do índio com o cavalo, principal meio de transporte e de segurança diante da planície infinita, ressaltando, também, que a pior condição possível para um homem era estar a pé. Lembremos da célebre trilogia do gaúcho a pé, de Cyro Martins (Sem rumo (1937), Porteira fechada (1944) e Estrada nova (1954)).
2) O cavalo era fundamental para percorrer o rio da Prata por conta do vazio da geografia: não havia nada, semanas de jornada sem qualquer mudança na paisagem (como o próprio Saer mostra no romance As nuvens). Tanto Magris quanto Sebald, e o Thomas Bernhard de Perturbação (livro no qual o narrador acompanha o pai, médico itinerante, nas cidadezinhas austríacas), apresentam caminhantes que encontram uma geografia completamente diversa, irregular e povoada, heterogênea, marcada pela história e pelos fluxos migratórios.
3) Em situação semelhante à de Saer em El río sin orillas está o Cormac McCarthy de Meridiano sangrento: lá os índios também aprendem a andar a cavalo (escondidos no flanco do animal, atacando de surpresa) e o oeste só faz sentido ao homem provido de sua prótese animal – o homem a pé morre de fome, de sede e de insolação.
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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Saer e Magris, 4

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1) O livro de Magris é da mesma natureza dos livros de Sebald, principalmente no que diz respeito à errância e à desterritorialização – aquela sensação de que um caminho tomado ao acaso (uma cartografia pessoal) diz, e recebe, mais da geografia explorada que um mapa ou tratado. Magris e Sebald compartilham com Robert Walser esse impulso pelo andar à deriva, pela flânerie. 2) Todos padecem da irresistível vontade de percorrer os lugares não-contemplados, descartados como desinteressantes ou irrelevantes para a historiografia clássica. Há, em Magris, assim como em Sebald e Walser, uma mescla do arcaico com o futurista: estão em contato com a terra, e com os caminhos inexplorados da terra, para absorver o que quer que tenha sobrado da história, para captar os influxos dos tempos que se acumulam nas cidades centenárias e, principalmente, nas árvores centenárias que circundam essas cidades; estão em busca de uma comunicação que esteja além das palavras – o arcaico como a tradição oral, como a magia (aquela magia ancestral cuja perda, segundo Walter Benjamin, é o primeiro motivo de tristeza para as crianças). 3) Mas, assim como estão em contato com o arcaico, com o início, com a primeira camada, os caminhantes também estão em contato com o fim, com a destruição, com a resolução e dissolução do tempo e da história. 4) A busca pelo puro é constantemente atravessada pela consciência das ruínas, pela consciência de que não há semblante original, ou ainda, de que aquilo que nos sobra é apenas o fragmento. É por isso que, tanto Sebald quanto Magris, estão atentos ao que teve lugar, à placa que indica o que já não existe mais, ao banal da história, ao ridículo do monumento, ao lado fetichista e paródico da homenagem, ao caráter fantasmático da memória (que se regozija com o abismo entre expectativa e realização). 5) Até o índice e a forma usada para separar os capítulos remete a esse cenário, especialmente se confrontarmos Danúbio com Os anéis de Saturno, de Sebald. Muitas divisões, capítulos breves dentro de uma grande seção, que levam títulos muito característicos, como epitáfios, como enigmas, que identificam ao mesmo tempo em que deixam em suspenso, prometendo uma história ou um dado histórico que só mais adiante será dado, sub-repticiamente.


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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Saer e Magris, 3

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1) Um dos momentos em que Magris faz uso da sobreposição temporal, incitada pelo fluxo do Danúbio, é durante sua visita à casa do escritor Elias Canetti. Kafka e Canetti são os escritores mais citados em Danúbio. Funcionam como contrapontos a figuras literárias menos representativas e também como figuras de intervenção sobre um cenário inóspito ou particularmente difícil de ser apreendido. Nesses casos, Magris recorre a Kafka e a Canetti não para explicar as incongruências, mas para apreciá-las em suas indecidibilidades.
2) Diante da casa de Canetti, Magris se questiona a respeito da cisão que o escritor escolheu para si mesmo, um corte que dividiu sua obra entre um primeiro momento de provocação e coragem intelectual e um segundo momento de explicação e homogeneização. Alçado à fama, Magris diz que Canetti impõe a si um autocomentário, uma descrição enfadonha daquilo que já teve lugar, trocando Massa e poder e Auto-de-fé, os livros que permaneceram durante décadas profundamente desconfortáveis para a sociedade europeia, por seus volumes autobiográficos, que terminam por congelar toda a energia revolucionária de suas primeiras obras.
3) Magris diz mais: o primeiro Canetti jamais ganharia o Nobel sem a intervenção do segundo Canetti, um Canetti mais velho, moldado pelas concessões, dirigindo uma recepção mais amena e historicamente apaziguada de seus próprios livros. E, nesse momento, Magris recorre novamente a Kafka, ilustrando a explicação de Canetti com o seguinte paralelo: como se, com decênios de atraso, se descobrisse o Processo kafkiano e reaparecesse Kafka, mais idoso e amável, a servir de guia em seus próprios labirintos.
4) Kafka e Canetti funcionam como duplos para Magris, unidos até certo ponto e irremediavelmente opostos depois disso. Sua visita à casa de Canetti está no fim do livro. Há um baque na leitura quando Magris enuncia sua crítica, um corte abrupto nas relações com um autor, Canetti, que vinha recebendo elogios toda vez que aparecia na narrativa.
5) Magris não apenas confronta dois Canettis, separados no tempo, como faz emergir da tumba um Kafka póstumo, para acentuar a sua decepção com o gesto explicativo de Canetti.
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Saer e Magris, 2

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1) O rio serve como um aglutinador de tempos, como o mecanismo que permite ao escritor ordenar a cronologia a partir de outra lógica. Eventos díspares são aproximados e figuras dissonantes são sobrepostas.
2) A submissão ao fluxo do rio é, além de temporária, mais um elemento a reforçar o caráter enviesado das expedições de Magris e Saer. O fluxo do rio leva sempre a uma única direção, e essa inexorabilidade das leis naturais só pode ser refutada naquilo que há de artificial e construído em seu percurso, que são justamente as cidades, os prédios e as figuras históricas que encontram durante o percurso.
3) Assim como a água não conhece limites, e é insensível ao debate sobre nascentes e afluentes, o acúmulo cultural engendrado pelo Danúbio e pelo rio da Prata (esses arquivos invisíveis geograficamente situados) também não pode ser definido em categorias ou compartimentos estanques, podendo ser solicitado a partir de qualquer coordenada.
4) Esse procedimento de intervenção historiográfica permite a Saer, por exemplo, tornar o embate de Jorge Luis Borges e Roger Caillois sobre o romance policial, nas páginas da revista Sur, contemporâneo das especulações desenvolvidas por Charles Darwin, durante a viagem que fez pelo rio da Prata.
5) De forma sutil, Saer apresenta o dissenso entre Borges e Caillois: o argentino comprometido com a tradição indutiva anglo-saxã e o francês com a tradição dedutiva francesa, discordância que acarreta uma heterogeneidade radical, responsável por determinar escolhas intelectuais e modos de transmissão e percepção de referências completamente diversos. São duas políticas de retrospecção a partir do fragmento, duas leituras do traço e do rastro, duas concepções do contrabando, duas táticas de filiação e contágio, que espelham e replicam imagens de conflito acumuladas ao longo do rio da Prata.
6) A situação com Darwin é análoga: fragmento e todo se confundem, assim como o pretenso esclarecimento se confunde com o mundo obscuro que o inaugura, que requisita a emergência da hipótese e da explicação. Há filiação e contágio também em Darwin, e seu movimento de desarquivamento do latino-americano funciona, nas páginas de Saer, como um fantasma possível, ou um decalque anacrônico, para Borges e Caillois e para a velha fábula do olhar estrangeiro sobre as terras bárbaras.
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quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Saer e Magris, 1

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1) Juan José Saer e Claudio Magris são perfeitamente aproximáveis, principalmente se pensarmos em El río sin orillas, que o primeiro publicou em 1991, e Danúbio, que o segundo publicou em 1986. São dois esforços simétricos: Saer percorre o rio da Prata assim como Magris percorre o rio Danúbio, ambos permitindo que as referências cultas se misturem aos relatos populares encontrados e entreouvidos durante a viagem. Os dois rios articulam pertencimentos; solicitam posições daqueles que estão por perto; fazem com que a simples condição de “elemento natural” seja problematizada quando suas margens passam a ser povoadas.
2) O rio, por conta de sua fluidez, é utilizado, por Saer e Magris, como metáfora para a impureza cultural que constitui toda nação. Não há sistema de pensamento, ou cenário intelectual, que não tenha sido atravessado por forças que eram, a princípio, estranhas. Saer inicia seu relato a partir da viagem, a partir do avião que o levará novamente à Argentina, um solo familiar que é contemplado a partir dos muitos anos que já leva vivendo na França. Saer, quando se propõe a refletir sobre o rio da Prata como uma entidade que testemunha, permanentemente, a impureza cultural, leva em consideração a perspectiva do expatriado.
3) E Magris, da mesma forma: italiano, com sólida formação em língua e literatura alemã, autor do celebrado ensaio O mito habsbúrgico na literatura austríaca moderna (1963), tradutor e ficcionista, inicia seu livro Danúbio a partir da briga entre dois minúsculos municípios, situados na Floresta Negra, sobre qual deles detém a verdadeira nascente do rio. Todo o extenso estudo de Magris remete continuamente ao lado belicoso e revanchista do pertencimento e das tentativas de marcar territórios, limites, umbrais ou fronteiras. Essa preocupação está ligada a um viés pessoal, a justificativa de sua formação alemã, e, também, a um viés ético e histórico: interrogar-se sobre a Europa significa, hoje, interrogar-se também sobre a própria relação com a Alemanha.
4) A violência inerente ao pertencimento geográfico é, também, um elemento importante na argumentação de Saer. E o conflito mais evidente no rio da Prata, a partir do qual ele passa a ser povoado e que o define historicamente, é aquele entre índios e espanhóis. Saer sublinha, primeiro, a violência antiga que forjava as relações entre os índios: las tribus del territorio argentino vivían guerreando entre ellas, a veces a causa de antagonismos ancestrales e irreconciliables o de rencillas episódicas a las que bastaba una mera transgresión protocolar para desencadenarse. Em seguida, a violência entre índios e espanhóis, una guerra que durará, con las más variadas peripecias, tres siglos y medio; el intercambio de atrocidades sólo acabará em 1880, con el exterminio definitivo de una de las partes envolvidas en el conflito. E, finalmente, a violência da geografia contra os dois grupos: indios y europeos tenían, en ese lugar, un enemigo común: el hambre.
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terça-feira, 24 de agosto de 2010

Monsieur Teste

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1) Monsieur Teste é, junto com Museo de la novela de la eterna, uma espécie de aleph da ruptura, da modernidade e das vanguardas: são textos sem ponto final, deixados em potência, em simultânea ação sobre presente, passado e futuro. 2) Respondem a obsessões, fixações que uma vida inteira não é suficiente para resolver. 3) Teste pode ser lido como cabeça - tête - e como texto - texte -, e as duas tentativas se complementam, porque são fiéis ao mostrar o projeto de Valéry de uma ficção pura, autorreferente como uma máquina. 4) A ficção de Valéry toma a cabeça como cenário (o pensamento, o cogito) e, nisto, é precursora de Beckett, que apresenta o cenário de Fim de partida como um crânio sem pele e sem carne, por onde passam fantasmas e figuras mortas (duas janelas como olhos e a porta como a boca escancarada). 5) A ficção-cabeça de Valéry é uma releitura de Descartes e de sua confiança plena no conhecimento e no esclarecimento. 6) Piglia, em Respiração artificial, observa que o Discurso do método, de Descartes, foi considerada por Valéry como o primeiro romance moderno. 7) Giorgio Agamben, em texto sobre Teste, dá a fonte: está nos Cadernos de Valéry, e o trecho diz mais: para Valéry, o cogito de Descartes é uma ficção, ou ainda, um procedimento ficcional que não pretende mudar o pensamento mas, apenas, dar coerência à história que engendra - assim como Teste, uma história que deseja perder-se em seu próprio infinito. 8) Teste, segundo Giorgio Agamben, é também testis, testemunha e terceiro, aquele que contempla do exterior, ou aquele que está diretamente implicado e que, mesmo assim, sobrevive ao evento, ao trauma. 9) Monsieur Teste é imortal, contempla a história da literatura e vibra com seus sobressaltos. É um observador, leu todos os livros, sua memória é uma esponja. 10) Monsieur Teste não é pessoa; é livro, imagem - e, por isso, é o grau zero do dizer e do calar, reinando soberano em Bartleby e companhia, de Vila-Matas. Teste preenche todo o abismo do eu.
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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Medo e confusão na guerra das imagens

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Serge Gruzinski (A guerra das imagens) comenta o assombro de alguns espanhóis quando chegaram ao Novo Mundo: pensaram que estavam diante dos judeus expulsos por Tito Vespasiano durante a destruição de Jerusalém, no ano 70 da Era Comum (Flávio Josefo, o historiador judaico, conta que o cerco foi tão severo que uma mãe comeu seu próprio bebê). Vários fatores contribuíram para esse equívoco: 1) acharam que os índios também eram circuncidados; 2) estavam com a mente tomada pela luta contra os infiéis (Granada havia sido retomada dos mouros em 1492); 3) confundiam as "pirâmides" astecas com mesquitas. Essa aproximação aparentemente absurda é mais uma manifestação da paranoia religiosa da época, constituindo uma tentativa de homogeneização da diferença para, a partir disso, dominar os próprios medos. Um medo típico da época: reencontramos aqueles que outrora expulsamos e a sorte pode, talvez, virar.
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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Michael Chabon

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Uma novelinha estupenda: A solução final, de Michael Chabon. Lado a lado com outras pérolas de concisão: O amante detalhista, de Alberto Manguel, Carlota Fainberg, de Muñoz Molina, Amphitryon, de Ignacio Padilla e, a maior delas, A artista do corpo, de Don DeLillo. Chabon é como Nabokov em seus detalhes, quinquilharias, observações e imagens: com um gesto melancólico, o senhor Panicker varreu de cima da mesa de seu sonho o saguão de conferências, hotel, restaurante, todo um conjunto de torres pontiagudas. Além da aparição de um detetive de 89 anos, que podemos pensar ser Sherlock Holmes, ainda que nenhum nome seja oferecido, há também um papagaio raro na trama, que fala códigos nazistas em alemão e canta com voz de mulher: é um mímico de muito talento e já assustou a minha mulher algumas vezes imitando os meus espirros, que talvez sejam um pouco exagerados. O papagaio pertence a um menino judeu que escapou do nazismo e foi enviado à Inglaterra, em uma movimentação que lembra o Austerlitz, de Sebald (há, inclusive, um personagem que se diz historiador da arquitetura, assim como Jacques Austerlitz). A forma como Chabon amontoa os nomes próprios nos primeiros parágrafos, permitindo que o desenrolar da narrativa dê progressivo sentido a eles, e a forma enviesada como localiza a história no tempo ("Vinte e três anos", resmungou. "Dia 14 de agosto de 1921". Tirou um lenço do bolso interno, enxugou a testa, secou os cantos da boca. "Um domingo") são, é claro, testes para a paciência, mas são, também e principalmente, marcas de sutileza, técnica e elementos que potencializam, tanto na forma quanto no conteúdo, o efeito estético do detetivesco na literatura.
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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Manicômio

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Latinoamérica fue el manicomio de Europa así como Estados Unidos fue su fábrica. La fábrica está ahora en poder de los capataces y locos huidos son su mano de obra. El manicomio, desde hace más de sesenta años, se está quemando en su propio aceite, en su propia grasa.


Roberto Bolaño, "Los mitos de Chtulhu", p. 168.

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terça-feira, 17 de agosto de 2010

A guerra das imagens

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Serge Gruzinski fala muitas coisas interessantes em seu livro A guerra das imagens – um trabalho que, conforme indica o título, vai de Colombo a Blade Runner, investigando as múltiplas formas pelas quais uma imagem pode ser absorvida, adulterada e/ou desviada. Ele fala dos zemes (ou cemíes), curiosos objetos indígenas da região do México, Cuba e ilhas próximas, misto de ícone de culto, representação dos mortos e amuleto doméstico. Em sua mescla de materiais, em sua indecidibilidade de função e em seu aspecto ameaçador, lembra muito os odradeks de Kafka. O colonizador destruía as imagens indígenas e, em seus lugares, colocava imagens da Virgem.



A Europa lia os cemíes como continuidade de suas próprias crendices e suas próprias lendas de almas penadas, feitiçarias e pactos com o demônio – as imagens encontradas no Novo Mundo serviam como argumento para um embate de ideias que acontecia na Europa, e que voltariam transformadas para o lugar de onde tinham sido tiradas.




Carlo Ginzburg (Os andarilhos do bem, História noturna) já escreveu bastante sobre as crendices espirituais do período (imediatamente anterior e posterior ao “Descobrimento”), mas Gruzinski faz o circo gravitar em torno da América Latina de uma forma completamente inaudita.

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quinta-feira, 12 de agosto de 2010