terça-feira, 1 de junho de 2010

Aira, Saer, Piglia (I)

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Se partirmos dos livros de Saer e Piglia, analisando o padrão que eles estabeleceram para o que veio depois, veremos que a negatividade é o centro do cânone argentino contemporâneo. Essa é uma herança das políticas discursivas da década de 1960 (Blanchot, Foucault, Deleuze) – a negatividade aparece, portanto, como um elemento valorizado no debate sobre o poder da literatura, sua colocação na sociedade e a função do escritor. É a utilização (e as filiações decorrentes dessa utilização) que determina a consideração de um elemento como central para a discussão do cânone imediato.



A negatividade, na literatura de Saer e Piglia, funciona a partir da resistência às pressões do mercado, tanto na forma como no conteúdo, na resistência que a língua oferece em seu próprio percurso. A tarefa dessa literatura é abrir brechas, não crer nos dispositivos do mundo instrumental, funcional e corporativo. Aira, por outro lado, encarna um posicionamento completamente diverso: sua massiva participação editorial, seu uso contínuo das formas correntes da discursividade televisiva, instauram um pertencimento que termina por sobrecarregar a demanda virtualmente insaciável do mercado.



Beatriz Sarlo afirma que Aira, de alguma maneira, previu a iminente transformação de Piglia e Saer em modelos para a literatura argentina, como se sentisse que aquela forma de expressão literária seria em breve requisitada, cooptada, como se sentisse no ar que aquilo era fundamental para uma manutenção auto-fágica do discurso do poder, que só na aparência desconstrói suas ramificações: ficção da paranoia para mantê-los todos ocupados e esvaziar, finalmente, a literatura de sua radicalidade, de sua, nas palavras de Aira, inventividade.

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